sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Contudo, algo relutava dentro de mim. Eu a amava decerto, porém, estava bem sozinho agora, apesar da piração com sua ausência. Havia podido voltar com minhas coisas que, ao lado dela, estavam paradas, por conta das obrigações maritais as quais me adaptava, mas nunca me envolvia. No dia seguinte, falamos sobre isso por tabela. Ela lamentava eu não ser uma pessoa dita "normal", com um trabalho definido, com essa inconstância da vida de artista a que todos me classificavam, mas este era eu, repeti firme, algo do tipo, somos diferente então, não podemos continuar; concordamos sem nos aborrecer e nem nos separarmos, acho que descobríamos o amor de fato. Argumentava de que deveríamos aceitar como o outro era, pois de outra forma, não haveria sentido nem em dizer que nos amavamos, fiz analogias com nossas realidades tão diferentes, de que podíamos sim ser felizes com nossas diferenças, que na pior das hipóteses não nos víamos tão pobres assim ao ponto de pirarmos com o futuro almejado por um nós tão ambicioso e mau e egoísta. Estávamos sendo imaturos, com os nossos mais de 40 anos de vida, não seria agora que ficaríamos milionários para poder realizar todos os nossos sonhos e fantasias. Pedi que ponderasse, mas ela tinha os seus objetivos...e eu, os meus sonhos. Continuavámos na mesma, muito embora que mais calmos perante nossas divergências.
Antes de sair sugeri uma prática, uma terapia para aliviar as tensões, sugeri que ela poderia se concentrar em algo, como por exemplo, consertar o nosso carro velho parado em sua porta desde que parti, cheio de ferrugem e poeira, que ela deveria gastar mais o seu dinheiro, se desapegar das coisas materiais ou então fazermos mais sexo. Ela sorriu e disse que aprovava apenas a segunda parte da terapia.
Pisquei-lhe o olho e parti. Ela estava melhor!
Estava muito só, se sentindo desamparada, depois de ter batido de frente com o dragão da vida murcha e infeliz. Se dizia arrependida de alguns atos, parecia querer dizer que não deveria ter me mandado embora, estava aflita, com a pressão alta, achando que o pior estava por fim, preocupada com os filhos, flertava com a loucura, me pedia amparo apara seus filhos se por acaso ela faltasse á eles. Me abraçou com força, sussurrou que me amava, suas lágrimas pingavam em minhas costas. Meu Deus, pensei, chegou a hora do nosso amor dizer ao que veio, de verdade. Estou aqui meu amor e nada pode nos separar, conte comigo, baby!
Conversamos durante horas, até ela adormecer no meu colo, velei o seu sono e descobri também o quanto a amava, estava ali e orgulhoso de estar ali, de ela ter me convocado, de ter precisado de mim, de ter me incluido de volta à sua dor, aos seus dogmas, à sua vida. Depois de acordada, voltamos a conversar e conseguimos sorrir de tudo. Ela precisava relaxar, em todos os sentidos, precisava entender que tudo estava bem, que sua vida era abençoada, que não estava sozinha, ao contrário do que começava a pensar. Passamos a noite juntos, dormindo somente, abraçados um ao outro como há muito não fazíamos. Eu também me via, de certa forma, como ela, sem chão, sem muito sentido.
Certo dia, depois de um bom tempo, o telefone tocou, era ela. Com a voz trêmula me pedia para encontrá-la urgente, não estava bem. Larguei tudo e fui ao seu encontro.
Não quis falar a respeito, mas claro que não posso me desvencilhar do amargo da vida e do destino assim, simplesmente pulando o parágrafo. Tenho que dizer,. Agora fica mais fácil. Me perdoe o leitor, compreenda minha dor dobrada por este dia tão fatídico num momento fúnebre para nós.

Quase dois meses mais tarde, do primeiro ato da nossa primeira separação, distanciados e meio confusos, fomos tragados para perto do outro de supetão. Sua mãe, minha sogra querida falecera de súbito e numa manhã sem poesia nos víamos perto do corpo da mama morta. foi um baque para toda a família. Passamos uns dias juntos dentro de uma solidão ferronha e má, sem piedade. Foi uma barra, mas ao cabo de uma semana parecia que as coisas voltavam ao lugar. Missa de sétimo dia parecia que tudo voltaria ao normal...parecia...
Dormir num quarto muito menor e solitário e escuro como há nunca mais havia dormido se configurou nos primeiros dias do meu calvário sem ela; neste sentido acho que fui bastante corajoso e forte, encarei a nova solidão, confuso com e desfecho de tudo. Não nos falávamos mais, a sensação era de que havíamos de fato virado a página. Parecia que só eu sofria com tudo jogado tão facilmente no lixo, tudo muito bem resolvido e aceito, como se fosse um problema aritmético resolvido por uma pessoa qualquer, mas aquilo não era um problema qualquer, aquilo era as nossas vidas, só isso.
Os dias se passaram, a vida não emperrou, ao contrário, segui firme com minha nova liberdade e com meus sonhos ainda em pedaços, na verdade tentava sobreviver sozinho, sem precisar morrer todo os dias; tinha notícias dela e a via bem, passando por aí. Bom, já foi! Passou! Nos livramos um do outro, sem muitas mágoas, apesar das verdades, ou meias verdades que ainda sangravam naquele e-mail ácido demais para alguma reconsideração. Tentava me concentrar em mim mesmo, voltei a fotografar e reparei que minhas fotos estavam melhores, mais felizes, e me auto entitulei, "o fotógrafo da alegria", todos aqueles personagens das fotos sorriam para mim e me davam a sensação de que o pior havia passado... mas não havia. Ela ainda latejava dentro de mim, não poderia esquecer de um dia para o outro, levava comigo uma saudade especial dela e de seus filhos, uma preocupação com a qual não contava, contudo continuava firme no meu novo projeto de vida, precisava suportar, sobreviver, da melhor forma possível e essa obstinação me foi um elixir para as dores que pensei seriam piores, consegui ser leve à medida do que podia, estava indo bem, apesar de tudo.
O tempo passou, nos distanciamos. Depois de um tempo nos encontrávamos "escondidos" de nós mesmos como uns clandestinos do amor, parecia que a paixão reacenderia, mas conscientes demais para alguma paixão tipo adolescente, não sobrevivemos ao naufrágio total. Chegamos a conclusão de ser perda de tempo, uma vez que não evoluaríamos para lugar algum, com aquele sentimento destroçado por nós, traido de nós, subjulgado por nós. Através de um e-mail frio e cruel nos despojamos dúbios enrolados com as palavras. Acertamos o outro, ferimos o outro, enfiamos a lâmina até ao final, até não suportamos mais tanta verdade incruada na carne. No fim das contas foi um alívio, tanto para mim quanto para ela. Teríamos mais espaço, ela em sua belíssima casa e eu na rua, correndo atrás dos meus sonhos já tão esquecidos e sufocados de tanto casamento e compromissos que se mostravam além do que podíamos suportar. Ela dizia que viver juntos por muito tempo era asfixiante, eu não concordava mas calava, mais tarde acho que as coisas mudaram e fui eu quem aceitou e se adaptou melhor a esta constatação. Todavia, parecíamos ambos fortes sem o outro, mais felizes e resolvidos com a questão que envolvia a vida de cada um. Seguimos com as nossas vidas separados de nós, esquecidos de nós...